Este livro digital apresenta as quatro visitas que eu fiz entre 2006 e 2016 ao infame ao infame centro de detenção localizado nos subúrbios de Santiago do Chile. Minhas várias visitas a este lugar (muitas mais do que as três que eu descrevo aqui) sempre me deixam perplexa. Por quê? Por quê vir e voltar, novamente e novamente? Eu não sou chilena. Eu não tenho nada a ver com a ditadura de Pinochet. Como uma jovem que vivia na Cidade do México nesse período, lembro dos chilenos que chegavam ao México como exilados. Eu, como muitas outras pessoas no México, me sentia orgulhosa da nossa falsa democracia. Minha primeira visita, em 2006, ao lado do sobrevivente Pedro Matta, mudou tudo. Eu não somente fui profundamente afetada por sua performance do trauma, mas também comecei a entender em que nível a sua performance me atingia e me envolvia como espectadora e como cidadã das Américas. A segunda visita que eu descrevo neste livro foi em 2012, após a disponibilização do áudio de uma visita guiada ao sítio. O quê, eu pensava, poderia ser tão diferente em relação a estar presente naquele lugar ao lado de Matta, em oposição a ouvir o áudio de uma visita guiada? Quais memórias estão sendo recontadas, e para quem? Minha visita mais recente (embora certamente não a última) se deu ao lado da sobrevivente Teresa Anativia em 2013. Eu e ela criamos uma forte relação bem antes de visitarmos a Villa Grimaldi juntas. No testemunho em vídeo que ela nos oferece aqui, ela relembra a primeira vez em que retornou à Villa Grimaldi desde que ativistas conseguiram transformá o lugar em um sítio de memória. Os pesados portões de ferro através dos quais os militares haviam trazido os seus capturados de olhos vendados haviam estado permanentemente lacrados até este momento – um ato simbólico para garantir que este tipo de violência jamais poderia acontecer no Chile. Quando indagada se retornar a este lugar agora, depois de tantos anos, a perturbava, Teresa disse “Não, esse não é o mesmo lugar”. A quarta visita, em 2016, trouxe a violência daquele lugar para muito perto, para o meu próprio corpo.
Assim, o livro convida o leitor a me acompanhar durante as várias caminhadas que eu fiz ao longo da Villa Grimaldi, e a pensar através dos vários fluxos neste sítio (e outros como ele) são construídos em termos de memória, história, lugar, performance, trauma e contestação política. Para que servem estes espaços? O que eles exigem de nós? Até que ponto estes sítios, visitas guiadas, gravações em áudio, testemunhos em vídeo, assim como ensaios digitais como este são capazes de transmitir um sentido do que aconteceu naquele lugar, a eles e, ao mesmo tempo, nos engajar como co-participantes nesse drama?
A fotografia acima, tirada por Lorie Novak, expõe os fragmentos de metal que os militares amarravam aos corpos das vítimas antes de mergulhá-los no mar, a fim de assegurar que eles não iriam boiar. A lente de aumento consegue focar um botão que se soltara da roupa de um dos corpos. Da primeira vez que estive em Villa Grimaldi eu não me dera conta do que eu estava vendo, nem o que significava esse fragmento exposto. A foto, assim como minhas tantas visitas ao local, me lembrou que eu precisava mudar o foco e a atenção para ser capaz de enxergar, entender e perceber o drama do qual eu – e foi gradualmente que me tornei consciente disso – faço parte.